Passados alguns meses do início do incansável combate midiático contra o governo, vemos que o bombardeio foi frustrado em certos pontos, mas obteve o êxito desejado em outros tantos. Um destes pontos exitosos é o argumento do “mensalão”, que passou a ser utilizado como verdadeiro mantra, entoado de forma desvairada pelos descontentes.
Atuando como verdadeiros representantes das elites que lhes deram origem e com as quais ainda mantêm vínculos orgânicos, os veículos da grande mídia não fizeram mais do que dar vazão às vozes “anti-Lula” que neles encontram acolhida, anunciando fatos por vezes inexistentes, com o objetivo único de solapar o apoio das massas populares ao governo. O “mensalão” serviu, para tais segmentos jornalísticos (se é que podem ser assim chamados), como o oxigênio e o álcool ao fogo. A “alegria raivosa”, como bem disse Chico Buarque, era vívida nos olhos e na linguagem utilizada por aqueles que nunca gostaram do atual presidente, tampouco aceitaram a vitória dele em qualquer momento de suas vidas.
A satanização governamental subseqüente, produzida pela ecolalia do “mensalão”, conseguiu, além de diminuir transitoriamente a aprovação do presidente da República, demonstrar com grande evidência a “ignorância política”, latu sensu, que parece se abater sobre o topo da sociedade brasileira. Claro, a afirmação só é válida se dermos crédito aos sofismas do discurso jornalístico em voga. Daí o cauteloso o emprego de aspas.
Indignação a tiracolo
Para não deixar margem a dúvidas, creio ser importante ressaltar que meu objetivo, com este artigo, não é tentar inocentar este ou aquele parlamentar ou dirigente partidário porventura envolvido nos escândalos denunciados – até porque quem deve fazer isso não são pessoas imersas na moral privada, mas a Justiça e a sociedade como um todo, compreendendo uma complexa gama de instituições e valores, Mas é precisamente sobre este último pilar que residem minhas preocupações.
Preocupo-me porque parte significativa da sociedade, notadamente seus extratos mais altos, finge padecer de uma forma de “ignorância política” (na verdade, um cálculo dissimulado) que beira a infantilidade: teima em ignorar, por supostamente nunca ter lido, ou mesmo ouvido dizer, que somente agora, passados mais de quatro séculos, a massa de desvalidos e miseráveis que compõe o patamar mais baixo de nossa pirâmide social pôde ascender alguns importantes degraus socioeconômicos, buscando viver e não apenas sobreviver, como fizeram com que se acostumassem por longo período. Os daslunianos incautos, “ignorantes letrados”, não querem atentar para este fato porque acreditam, e com razão, que estão perdendo pela primeira vez. E, por não quererem reconhecer a importância do que lhes é adverso, permanecerão reféns de uma conveniente inocência. Um misto de falso espanto entrecortado por gritinhos de estupefação. Algo do tipo “eu nunca vi isso antes”.
Há, no entanto, parcela considerável da mesma classe que não pretende dissimular a má-fé. Atuando sob esta ótica estão os mentirosos de sempre, portadores de indignação a tiracolo, que tratam a história como um eterno presente para ocultar o passado que a revela em cores nítidas. O “mantra mensaleiro”, neste caso, é utilizado como argumento único, numa pueril tentativa de se atingir o tão almejado Nirvana ético-político de suas fábulas multisseculares.
Esperteza demais
O assustador, em tudo isto, é o fato de tais grupos serem, ao menos em tese, aqueles que justamente devem servir como “formadores de opinião”, uma vez que têm (ou deveriam ter) acesso à informação que se autoqualifica como mais embasada.
Felizmente, até o momento, os demais grupos, até então excluídos do processo político, estão reconhecendo os benefícios que lhes foram proporcionados. Embora ainda não possamos falar de universalização de direitos, tal como propõe o discurso clássico de esquerda, os avanços superaram, com sobras, os indicadores sociais alcançados em gestões anteriores. Para tanto, os “desinformados do Bolsa-Família”, rótulo preferido de nove entre 10 colunistas, dispensam a mediação interpretativa da imprensa. Como destaca Franklin Martins em entrevista à revista Caros Amigos (nº 114, setembro/2006), estamos assistindo ao fim dos círculos concêntricos. Há uma mídia invisível, produzida na periferia e nos grotões, que informa esses grupos e termina por incluí-los no jogo político. Uma produção noticiosa que dispensa as interpretações da grande imprensa.
Pode-se não querer votar em Lula por uma série de motivos, de cunho político-partidário ou não – e os abastados têm este direito. É cálculo de classe. Mas utilizar o “mantra mensaleiro” é não ter em conta que a sociedade passou por mudanças significativas. Políticos e jornalistas já não se podem dar ao luxo de exibir uma ignorância funcional. Às vezes, muita esperteza atrapalha.
João Paulo Cechinel Souza é médico filiado ao PT de Florianópolis.
Atuando como verdadeiros representantes das elites que lhes deram origem e com as quais ainda mantêm vínculos orgânicos, os veículos da grande mídia não fizeram mais do que dar vazão às vozes “anti-Lula” que neles encontram acolhida, anunciando fatos por vezes inexistentes, com o objetivo único de solapar o apoio das massas populares ao governo. O “mensalão” serviu, para tais segmentos jornalísticos (se é que podem ser assim chamados), como o oxigênio e o álcool ao fogo. A “alegria raivosa”, como bem disse Chico Buarque, era vívida nos olhos e na linguagem utilizada por aqueles que nunca gostaram do atual presidente, tampouco aceitaram a vitória dele em qualquer momento de suas vidas.
A satanização governamental subseqüente, produzida pela ecolalia do “mensalão”, conseguiu, além de diminuir transitoriamente a aprovação do presidente da República, demonstrar com grande evidência a “ignorância política”, latu sensu, que parece se abater sobre o topo da sociedade brasileira. Claro, a afirmação só é válida se dermos crédito aos sofismas do discurso jornalístico em voga. Daí o cauteloso o emprego de aspas.
Indignação a tiracolo
Para não deixar margem a dúvidas, creio ser importante ressaltar que meu objetivo, com este artigo, não é tentar inocentar este ou aquele parlamentar ou dirigente partidário porventura envolvido nos escândalos denunciados – até porque quem deve fazer isso não são pessoas imersas na moral privada, mas a Justiça e a sociedade como um todo, compreendendo uma complexa gama de instituições e valores, Mas é precisamente sobre este último pilar que residem minhas preocupações.
Preocupo-me porque parte significativa da sociedade, notadamente seus extratos mais altos, finge padecer de uma forma de “ignorância política” (na verdade, um cálculo dissimulado) que beira a infantilidade: teima em ignorar, por supostamente nunca ter lido, ou mesmo ouvido dizer, que somente agora, passados mais de quatro séculos, a massa de desvalidos e miseráveis que compõe o patamar mais baixo de nossa pirâmide social pôde ascender alguns importantes degraus socioeconômicos, buscando viver e não apenas sobreviver, como fizeram com que se acostumassem por longo período. Os daslunianos incautos, “ignorantes letrados”, não querem atentar para este fato porque acreditam, e com razão, que estão perdendo pela primeira vez. E, por não quererem reconhecer a importância do que lhes é adverso, permanecerão reféns de uma conveniente inocência. Um misto de falso espanto entrecortado por gritinhos de estupefação. Algo do tipo “eu nunca vi isso antes”.
Há, no entanto, parcela considerável da mesma classe que não pretende dissimular a má-fé. Atuando sob esta ótica estão os mentirosos de sempre, portadores de indignação a tiracolo, que tratam a história como um eterno presente para ocultar o passado que a revela em cores nítidas. O “mantra mensaleiro”, neste caso, é utilizado como argumento único, numa pueril tentativa de se atingir o tão almejado Nirvana ético-político de suas fábulas multisseculares.
Esperteza demais
O assustador, em tudo isto, é o fato de tais grupos serem, ao menos em tese, aqueles que justamente devem servir como “formadores de opinião”, uma vez que têm (ou deveriam ter) acesso à informação que se autoqualifica como mais embasada.
Felizmente, até o momento, os demais grupos, até então excluídos do processo político, estão reconhecendo os benefícios que lhes foram proporcionados. Embora ainda não possamos falar de universalização de direitos, tal como propõe o discurso clássico de esquerda, os avanços superaram, com sobras, os indicadores sociais alcançados em gestões anteriores. Para tanto, os “desinformados do Bolsa-Família”, rótulo preferido de nove entre 10 colunistas, dispensam a mediação interpretativa da imprensa. Como destaca Franklin Martins em entrevista à revista Caros Amigos (nº 114, setembro/2006), estamos assistindo ao fim dos círculos concêntricos. Há uma mídia invisível, produzida na periferia e nos grotões, que informa esses grupos e termina por incluí-los no jogo político. Uma produção noticiosa que dispensa as interpretações da grande imprensa.
Pode-se não querer votar em Lula por uma série de motivos, de cunho político-partidário ou não – e os abastados têm este direito. É cálculo de classe. Mas utilizar o “mantra mensaleiro” é não ter em conta que a sociedade passou por mudanças significativas. Políticos e jornalistas já não se podem dar ao luxo de exibir uma ignorância funcional. Às vezes, muita esperteza atrapalha.
João Paulo Cechinel Souza é médico filiado ao PT de Florianópolis.
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